sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ela Não Encarou a Morte

Ela corria, e corria, e corria, pensava, com todas as suas forças, em um jeito de tirar aquela imagem de sua cabeça, mas nada dava resultado. Então correu pra beira do mar e banhou-se como se nunca tivesse visto água, mas a imagem persistia. Sentou na areia e, mesmo sem acreditar em nenhuma força superior, rezou, suplicou, chorou, sorriu nervosa e correu.
O recém ineditismo das águas não resolvera. Os pés pareciam seguir um ritmo forte, ditado por cada músculo e batimento cardíaco, enquanto tocavam, em frações de segundo, o asfalto. Uma lasca de unha ficou no chão em decorrência de uma topada forte, mas que não foi capaz de aplacar a velocidade quente de seus pensamentos. A certeza de que ela mesma pintara aquele quadro angustiante e enlouquecedor que a cegava não diminuía a força das imagens. Cada traço. Cada pequeno detalhe, inclusive tons e cores, as expressões fortes faziam-na pensar que não importava o quanto corresse, não havia meios de escapar.
Ainda correndo, começou a diminuir o ritmo, exausta, com uma respiração ofegante, por conta do cigarro. Então, com um ar de desespero de quem aceita sua neblina, deitou na areia. Sentia seu sangue formigar, cada grãozinho grudar em cada pedacinho de pele. As imagens embaçadas em sua cabeça quase não deixavam o céu estrelado fazer seu show.
Foi quando alguém passou por ali e, sem querer, jogou areia nos seus olhos, obrigando-a, quase instintivamente, a tentar abri-los. Seguiu o instinto e ao abrir seus olhos sentiu-se em 1995, quando, em Portugal, iniciava sua primeira graduação. Forçou-se a piscar vezes incontáveis, até poder realmente crer no que acabara de ver e quando deu por si, já estava de pé com os olhos arregalados. Estava de pé, mas não mais na praia de sonhos de outrora, agora encarava a vida como o guerreiro encara a guerra. Está aqui para viver, produzir e continuar viva. Respirava. Caminhava de um lado a outro da parada, tecendo uma teia imaginária de esperanças e realizações. Oxidava. Mal sabia ela que os pássaros pretos cantavam sua endecha. respirava. O ônibus não viria naquele dia. Oxidava. respirava. Oxidava.

No óbito: "morreu de respirar".

Autores: Amanda Guedes, Eliza Vianna, Taynara Barcelos e Thiago Cantanhêde

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