sábado, 20 de outubro de 2012

SAÍDA DE EMERGÊNCIA

Centenas de espectadores lotaram a sala de cinema para o que prometia ser um sucesso de bilheteria, superestimado pelos críticos e capaz de agradar a todos os tipos de público. Ansiosos, viram surgir as primeiras cenas do filme.
Duas crianças, despreocupadas, caminhavam juntas. A menina contou uma coisa engraçada, o menino riu. Corriam pelo pátio da escola e dividiam a rede quando chegavam em casa. Eram como irmãos que, em meio ao jantar, diante dos pais, adultos cheios de preocupações, brincavam de guerra de gelo. Compartilharam muitas lágrimas, todas de felicidade.
Corta.
As pessoas na sessão demonstraram estar inquietas. O que parecia ser um filme com um confortável final previsível, começara a ficar tão subjetivo quanto a mais alternativa das obras. – Será que essa falta de foco é proposital? – Por que é que treme tanto? – Quando volta a ficar colorido?
Já eram jovens. Inseguros, cada um com o seu punhado de dúvidas. Ele as carregava na cabeça, ela no coração. A menina pensava em dizer mil coisas, mas nunca era possível. Não em totalidade. Então deixava pistas e torcia para que o menino, curioso e perspicaz, entendesse o que ela estava sentindo. Mais do que isso, ela torcia para que ele sentisse o mesmo. O riso natural que compartilhavam outrora passou a ser um artifício para se livrar da estranheza que era cruzar os olhares. Os dois sabiam que algo deveria ser dito. Mas se a menina optou por ser o mais clara que podia (ainda que pudesse pouco), o menino se agarrou no silêncio.
Eles levavam uma vida parecida - eram as mesmas pessoas da infância, afinal - mas percorriam um caminho diferente. Um dia a estrada se cruzou. Como uma torneira há muito tempo com a bica presa, a menina explodiu e falou tudo que tinha guardado. Estavam ali os dois, debaixo da mesma chuva. À tempestade, o menino reagiu com um apagão.
Corta.
A tela ficara escura, de repente. A sala toda estava sem luz. Algumas pessoas questionaram se o temporal era só no filme ou se chovia de verdade. Indignados com o fim, que parecia tão repentino e sem sentido, foram pedir o dinheiro de volta. A verdade é que em pouco tempo esqueceriam todo aquele roteiro. Estavam prontos para a próxima sinopse.
Lá estavam os dois de novo. Adultos. Já haviam vivido tanto que não sabiam dizer com clareza como fizeram para chegar onde estavam. Eles não imaginavam que se esbarrariam naquele dia. Ela andava carregando mil livros em sacolas – procurava consolação para o que não viveu nas palavras bonitas dos autores românticos. Ele corria para não perder o voô – rodava o mundo tentando achar as explicações que residiam todas dentro dele mesmo.
Esbarraram-se no meio da Rio Branco. Por mais que não se vissem há anos, se reconheceram. E ficaram ali por um tempo. O trânsito parando a avenida. Com os olhares fixos, eles gargalharam mais alto que as milhares de buzinas. A menina precisava amarrar o cadarço. Olhou para suas mãos. Seus dedos curtos. Era como se fosse pequena novamente.
Corta.
A menina abriu os olhos. Adormecera profundamente com o apagar das luzes e sonhara. “Como eu sou tola.” Ouviu-se uma voz que vinha de cima: - Senhora, estamos trocando o rolo. Ela concordou e se ajeitou na cadeira. Algum tempo depois, estaria diante do mais verdadeiro dos documentários: sua própria dor. E não haveria um braço para apertar nos momentos mais difíceis. Estava sozinha no cinema. A grande sala parecia agora um minúsculo quarto. E tamanho espaço ocupava sua angústia, que a menina, claustrofóbica, já não suportava estar ali. Logo nos primeiros segundos da exibição, ela se levantou. As luzes laterais piscavam indicando o caminho da saída. Ela não aguentara ficar para ver, mas sabia que uma parte dela continuaria ali, torcendo para que acabasse logo, até que subissem os créditos.


Autor: Maria Clara Nunes Giovanini

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